Paixão nacional

Era 1985, talvez. Meu pai ia jogar bola na quadra da Escola Verdinho depois do trabalho, e eu tinha que ir com ele.

Ficava na arquibancada, brincando. Ia atrás dos sapos - naquela época, Jacareí tinha muitos. Contava a quantidade de degraus na arquibancada. Pensando bem, eu ficava mesmo era entediado.

Na escola, nunca fui bom no futebol. Na 5ª, 6ª série, detestava o professor de Educação Física, que dava a bola pros alunos jogarem futebol e nem se importava com o resto.

Lembro de uma jogada que quase me levou a uma surra épica. Eu estava perto do gol, e todos os outros jogadores no outro lado, tentando pegar a bola de um cara da 8ª série. Ele me viu desimpedido e mandou a bola. Era fácil: pegar no peito, virar, marcar e sair com sorrisão no rosto. Enquanto eu fantasiava tudo isso, a bola passou por mim, o goleiro a pegou, jogou pro campo, e a partida continuou. Um desastre!

Na rua, sugeria outras atividades pros colegas. Pega-pega, esconde-esconde, bandeirinha, queimada… tudo pra fugir da rotina da pelada.

Contrariava todos, até mesmo o próprio sangue, de pai e avós fanáticos pelo Corinthians.

No trabalho, parece crime não saber discutir sobre a partida de domingo ou os resultados da rodada. Como se eu fosse um alienado, ou uma aberração, talvez. Uma vez, quando começava o Globo Esporte, na hora do almoço, alguém disse: “Quer que coloque na GNT?”.

Não, não quero que mude de canal, porque eu respeito o próximo. O contrário também deveria acontecer.

Esses dias, estava conversando com meu sogro e perguntei se ele ainda ia em um tradicional barbeiro da cidade.

-- Não, faz uns 30 anos que eu não vou mais lá. Chegava lá, ele parava de cortar pra ficar falando de futebol. Tenha paciência!

Apesar de torcer para o Palmeiras, meu sogro dá pouca importância pro futebol. Sorte a minha, porque, quando comecei a namorar a filha dele, decidi que escolheria um time para torcer, e seria o campeão do brasileiro daquele ano. Vai, Santos!

Ainda hoje, vi uma notícia sobre a fundação de um time de garotas gays. Isso me mostra que cada vez mais o esporte não tem sexo, e que tudo o que eu sofri por não gostar de futebol foi, na verdade, uma grande bobagem fundada em preconceitos arcaicos que me fizeram muito mal, mas eu superei.

Agora vou ter que parar de escrever. A enfermeira está trazendo meus tranquilizantes.


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