Dia das crianças

Era início da década de 1980, e ele se chamava Rodrigo.

Estava sentado com todos os meninos da rua na escadinha da dona Lígia (algumas casas eram mais altas e tinham escada na frente).

Começou a contar, então, como seria a comemoração do dia das crianças, que cairia num sábado.

-- Meu pai mandou fechar a rua e trazer todos os personagens de desenho.

-- O He-Man vem?

-- Claro que vem. Ele é o principal!

-- Mas se ele vem, o Esqueleto vai estar por aqui!

-- E daí! Ele pode defender a gente.

Aquelas ideias faziam brilhar os olhos das crianças.

-- Vai começar com a nave da Xuxa, descendo ali no começo da rua. Vai tocar música, e as Paquitas vão sair dançando. Depois dela, vem o Sérgio Mallandro e a Mara Maravilha.

-- O Jayce e os guerreiros do espaço vão estar aqui, com os carros deles?

-- Eles vêm também, e vai vir a Flora, que conversa com as plantas.

Definitivamente, aquilo seria demais! Todos os nossos personagens, ali, em carne e osso, perto da gente, numa rua de paralelepípedo que não dava pra lugar nenhum, numa cidadezinha de interior que ninguém conhecia!

A gente mal podia esperar o dia das crianças chegar.

Ao longo da semana, cada vez que os moleques se encontravam, era inevitável a conversa sobre o dia das crianças que o pai do Rodrigo estava organizando.

-- Dizem que vão trazer pipoca e algodão doce.

-- Será que vem o Cavalo de Fogo?

-- Eu quero ver a Uni e o Hank.

Sexta-feira chegou, e os meninos estranharam que não tinha nenhuma movimentação na rua. Esperavam, ao menos, que começassem os preparativos - vai saber a estrutura que é necessária pra um evento desse tamanho!

-- Acho que ele estava mentindo.

-- Não pode ser, ele disse que o pai dele já tinha falado com o prefeito.

-- Mas a rua não está fechada, ainda!

Todos foram dormir angustiados com a dúvida.

Até que sábado chegou.

Abro os olhos e escuto o trânsito normal na rua. Olho pela janela. Nada diferente.

Aos poucos, os meninos vão chegando. Será que atrasou? Será que está muito cedo?

-- Vamos achar o Rodrigo.

-- Ele mentiu pra nós!

-- É, ele mentiu e merece apanhar.

-- Mas nem apareceu por aqui.

-- Vamos na casa dele.

-- Olha ele lá!

Desceram a rua furiosos em direção à casa do menino, e ele, pra se proteger, foi atrás do pai.

Foi então que descobriram tudo.

O pai, já fedendo a cachaça a uma hora daquelas, estava parado no balcão do bar do Toninho, com um copo na mão.

Não era nenhum artista, nenhum empresário, nenhum homem que tivesse condições de sequer organizar uma casa, quem diria um evento grandioso de dia das crianças.

Foi um banho de água fria nos moleques. O dia das crianças acabou ali, logo nas primeiras horas do dia.

Não teve palhaço, nem brigadeiro. E o pior: desenho, só na segunda-feira cedo, porque nenhum canal aberto - que era tudo o que se tinha na época - passava desenho no final de semana.

Crédito da imagem: Freepik

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