Criar filhos

Nunca poderia imaginar que teria filhos, quanto mais três. Quando adolescente, via algumas brigas domésticas e jurava que nunca iria me casar, quanto menos ter filhos.


Não cumpri meu juramento, claro.


E não me arrependo.


Lembro que estava sentado no sofá, passando a mão na barriga da minha mulher, assistindo ao U2 cantando “Where the streets have no name”. Eu tenho uma história infinita com essa música e me emocionei ao pensar que ouvia isso em 1987, que estava ouvindo agora e que um dia minha filha ouviria (tá, ela prefere Post Malone e Chainsmokers, mas tudo bem).


Naquele dia eu chorei.


Nasceu a primeira, e como todo primeiro filho a gente sente uma emoção tão inexplicável, e tudo era novo, e a novidade estava em tudo. Quarto combinando com jogo de berço, roupinhas organizadas por tamanho, fotos, fotos e mais fotos.


Nada podia se o médico não autorizasse, não havia mais vida social, não havia mais filmes, livros e séries.


Mesmo assim  decidimos que ela precisaria de alguém pra dividir a infância. Veio a segunda.


Essa era o sol em pessoa. Radiante, alegre, apegada à mãe que nem eu podia com ela. Com a experiência da primeira, essa criação foi um pouco menos dolorosa, porque nem sempre o médico tinha razão, dando espaço pra sabedoria popular. Santa sabedoria!


E quis o destino que viesse mais um, e tudo foi um susto: a gravidez foi descoberta no quarto mês, e ele decidiu nascer no sétimo, justamente quando arrumávamos a casa pra mudança. Foi punk.


E o susto passou a ser desespero e agonia. 25 dias em UTI, um ser tão pequeno e frágil, e nada na vida importa tanto quanto o dia de ir pra casa.


Até que finalmente chegou esse dia.


Ser pai é um desafio diário, ser pai de três é quase que um trabalho hercúleo. Ainda mais quando se mora em uma cidade longe dos familiares e não há ninguém por perto pra recorrer naquela madrugada que a criança está doente e você precisa ir pro hospital -- fatalmente você tem que tirar todo mundo da cama e levar todo mundo a tiracolo.


Esses dias, estava andando com a filha do meio na calçada, e ela atravessou a rua correndo. Pânico! Eu nunca tive tanto medo na vida. Sempre achei que reagiria rápido a esse tipo de caso, mas, até o cérebro processar e o corpo reagir, foi o tempo necessário pra ela chegar ao meio da avenida. Sorte que não vinha carro.


Agora há pouco descobri que um estranho adicionou o WhatsApp da minha filha e está trocando mensagens com ela, se passando por uma criança. Estamos fazendo o que for preciso para que isso pare imediatamente, mas, a impressão que fica é a de que toda idade tem seu problema, cada fase tem seus desafios, e tudo vai me assustar e me tirar da zona de conforto no início.


Para isso, conto com minha mulher e muita conversa. Conversa, conversa, conversa. Mesmo que às vezes a explosão e inquietude do bicho homem fale mais alto, a única coisa que resolve é conversa e mais conversa.


E mesmo assim, com tudo isso, hoje cheguei em casa cansado, depois de dias trabalhando até às dez da noite, entrei na sala e dei um sorriso pras crianças.


Nesse momento, eu era o meu pai, repetindo os mesmos gestos, com o mesmo sorriso, os mesmos problemas e os mesmos desafios de criação dos filhos. Só que, no caso dele, foram quatro. Deve estar no céu o marvado!


Foto: Freepik

Comentários

  1. Pensei agora na minha mãe, divorciada, tendo que cuidar de três pest...digo,... meninas sozinha por um bom tempo, enquanto trabalhava praticamente três períodos por dia. Raramente eu entendia o stress dela quando chegava em casa tarde da noite e tinha que ouvir as milhares de novidades de três vozesinhas irritantes kkkkkkk
    Hoje eu imagino como deve ser ter que lidar com tudo isso mais um ex-marido enchendo a paciência, machucados, hospitais, lição de casa...
    Pode ter certeza que os pequenos vão saber que pai valioso eles têm e reconhecer todo esse amor, Lincoln! Falo como filha, já que ainda não tenho os meus pra me fazer ficar sem tempo pra ler e comentar esse texto lindo! rsrsrs
    ^^

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  2. Crônica bonita, verdadeira. Mas, peraí... o dia que precisar de um apoio, mesmo na madrugada, pode contar comigo!

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